Esse
cara é uma piada.
Nasceu
num dia estranho: 29 de fevereiro, e até hoje acha que tem 17 anos.
Pouco
se sabe de seus familiares. O que ficou foi somente um nome e um
sobrenome que ninguém consegue dizer se foram obra da mãe ou do
pai.
O
fato é que com o tempo ele acabou se transformando em uma caricatura
em todos os cantos da cidade.
Serzinho
manjado.
Difícil
é encontrar alguém que consiga permanecer ao seu lado.
Sex
appeal
Ora,
ora… se não é a Madame Indigesta com suas lindas filhinhas
fazendo caminhada! - pensou nosso personagem, caminhando ao encontro
das 3.
-
Tudo tranquilo, Madame Indigesta?
-
Tranquilo uma ova! Vá procurar o que fazer, seu imprestável! Pensa
que não sei que você está de olho nas minhas filhas…
-
Mas Madame, o que seria da vida sem essas belezas. O que seria da
humanidade se a gente não tivesse esse instinto, essa gana pela
continuidade da espécie!
-
Vá para o inferno, seu merda! Tá achando que eu vou permitir que
alguma delas se engrace por você?!
-
O que é isso, Indigesta! Deixa de ser tão superprotetora. Tá
parecendo uma galinha choca! Elas estão na flor da idade. Loucas
para conhecer outros mundos, vivenciarem os prazeres da vida.
-
Você tá de brincadeira, não é, Roque Esculacho? Com você?!
-
Mas é claro! Com quem mais
poderia ser?! Um dia a senhora ainda vai ter
a honra de me chamar de
genro, você vai ver!
Músicas
de lunáticos
Curtindo
seus discos num volume infernal, Roque Esculacho só quer saber de
uma coisa: diversão. Doa a quem doer.
Mas
eis que seu vizinho, o Senhor Topetudo, aparece por cima do
muro e grita com todas as forças:
-
Roque Esculacho, de novo! Você não se cansa de ouvir essas merdas,
não? Isso é música de lunático! Puta gritaria do caralho!
-
Merdas, Senhor Topetudo?! Não tenho culpa se você não sabe o que é
música boa. Quer que eu te empreste alguns discos?
-
Não quero discos, porra nenhuma! Quero que você abaixe esse volume.
Não tô conseguindo assistir minha novela.
-
Novela?! Que porra de novela, Topetudo! Curte o som, pô! Deixa de
ser cuzão. Não vou baixar volume nenhum!
-
Vai baixar, sim; ou vou até aí e quebro todos esses discos!
-
Quebrar meus discos! Nem fudendo! Se pular aqui como ontem, solto o
cachorro de novo!
-
Então, é assim, Roque Esculacho? Continue ouvindo suas músicas que
vou ligar para a polícia e aí a gente vê quem canta mais alto!
-
Não tô nem aí pra polícia. Eles já nem perdem seu tempo comigo
ou com você. Você não tem moral nenhuma com eles.
-
Merda! Isso não vai ficar assim, Roque Esculacho! Você não sabe
com quem tá mexendo. Eu tenho poder. Você é um zé ninguém. Um zé
ninguém!
-
Poder?! Sente o poder desse som, então, seu machão imprestável!
Exploração
do trabalho
Junkão
é simplesmente Junkão. Um cara que já nem usa mais dorogas, mas
que continua carregando a fama de todos os consumidores dessas
substâncias no mundo todo.
Amigos
de longa data, ele e Roque Esculacho já aprontaram muito pela cidade
e seus arredores.
Há
um bom tempo sem se trombarem, eis que se encontram na esquina do bar
do Seu Tanaka.
-
E aí Junkão, tudo certo?
-
Fala aí, Roque Esculacho! Tudo tranquilo. E você, como é que tá?
-
Beleza. Faz tempo, hein?
-
Verdade, cara. Faz mó cara que a gente não se encontrava…
-
E daí, vamos tomar uma no bar do Seu Tanaka?
-
Certeza!
-
He, he, he...
-
Então, como é que anda a vida, Junkão?
-
Pô véio, tá foda! Tô sem emprego de novo. Me mandaram embora só
porque eu tava dormindo no trampo, cê acha?!
-
Puta sacanagem! Esses caras são uns otários. Não percebem que um
funcionário descansado produz muito mais!
-
Então… Cambada de lixo esse povo, viu! Tô na caça de outro
trampo, mas tô meio queimado, tá ligado?
-
É, eu sei bem o que cê tá passando. Nunca tive um trampo com
carteira assinada. Só bico e, mesmo assim, tá ficando difícil.
-
Por que, Roque Esculacho?
-
Ninguém valoriza a gente, cara! Semana passada tava servindo uma
mesa na lanchonete do Tião Casacadura e ele ficou puto porque
eu provei uma coxinha de frango bem na frente dos freguês, cê
acha?! Me mandou embora e nem me pagou a noite de trabalho. Pô, só
tava vendo se o rango tava bem temperado!
-
É, Roque Esculacho. A coisa tá feia mesmo pro nosso lado.
-
Nem me fala! Logo, logo vamo ter que começar a comprar fiado aqui no
bar do Seu Tanaka.
-
Fiado! Pra vocês, nem uma bala eu vendo fiado! Seus vagabundos. Por
que não trabalham?
-
A culpa não é nossa, Seu Tanaka. Eles é que não deixam a gente
trabalhar, porra!
Rango
diversificado
Surpreso,
Roque Esculacho acabou
sendo
amordaçado,
encapuzado
e carregado para uma Kombi que aguardava ligada bem em
frente
de sua casa.
-
Pegamos o magnata! Agora,
é só levá pro cativeiro, fazer
o contato, pegar a grana e
viver sossegado até o fim da vida, não é, Marcão?
-
Certeza, Bronca!
É nóis! Duvido que não
paguem! Enquanto isso, a
gente vai apavorar esse otário. Pesar na cabeça dele até ele se
borrar de medo.
-
Essa é a parte
mais fácil, Marcão! Deixa esse
comigo que eu vô
barbarizar com o
tiozão preibói!
-
Rá-rá-rá! Você é maluco, cara! Mas vai com calma, hein! Não
podemos botar tudo a perder.
-
Pensei numas
brincadeirinhas novas, cê vai ver…
-
Bom, chegamos. Leva esse
mané
lá pro quarto que eu vou buscar umas pizza pra nóis
comê.
-
Opa, pizza! Traz uma
doce, Marcão.
Sabe como é, pra sobremesa. He...he...he…
-
Pronto, malucão! Deita
aí. É aqui que cê vai
ficar até a gente pedir o seu resgate. Fica frio, não tente nada,
que logo, logo cê vai estar na sua casa com a patroa. Só que sem
grana!
-
Patroa?! Grana?!
Cê tá de brincadeira! Cara, eu não tenho nem onde cair morto.
-
Vai querer dar uma de
coitadinho, vai?
-
É sério! Tô na maior pindaíba, véio. Tinha saído pra descolar
uma grana emprestada, mas não achei o
Fabião Mulambão
em casa…
-
Ó, meu nome é Bronca. Se
precisar de alguma coisa é só chamar. Agora,
fecha o bico e me deixa jogar minha paciência em paz!
-
Tô te falando, cêis
tão enganados. Pergunta pra qualquer um da cidade sobre o Roque
Esculacho que cê vai ver.
-
Roque Esculacho é um
fudido!
Cê tá querendo me fazer de otário, mano? Você é o dono da
concessionária. Tá montado na grana, que eu sei.
-
Véio, cês tão
viajando...
Meu nome é Roque Esculacho. Eu não tenho grana, se tivesse tava
morando em outro lugar, não naquela casa caindo os pedaços.
-
Tiozão, cê tá me
torrando a paciência, fica quieto ou vou te
encher de porrada! Já, já
o Marcão volta com as pizza e a gente já faz o primeiro contato com
a sua família…
-
Família?! Cês tão de
zueira. Não tenho telefone fixo, só essa merda de celular que tá
no meu bolso.
-
Passa pra cá! Deixa eu
conferir esse número.
-
Puta que
pariu, pegamo
o cara errado! Que cê tava fazendo naquela rua, em frente aquela
casa, pô?!
-
Ué, eu moro lá perto,
cara! Já falei que tinha saído para descolar uma grana emprestada,
porra!
-
Véio, vou te soltar, mas se você der com a língua nos dentes, a
gente te mata, tá ligado?
-
Fica tranquilo!
-
Então, tá. Vaza e nem
olha pra trás, falou?
-
Ah, não! Só vou depois
de comer, né cara.
Faz mó cara que não como
pizza doce… Eu
curto
pra caralho!
O
Diabo é o pai do Roque
–
I aí,
Roque Esculacho, tá de bobeira di novo?
–
De bobeira
tá você, Muleque Remelento! Eu tô dando um trampo pro Seu
Jão Tiragosto. Cê não tá vendo que eu tô fazendo as conserva
pro cara, não?
–
Foi mal
aí, Roque Esculacho. É que cê tá sempre de bobeira, então pensei
que cê só tava continuando sua obra…
–
Ei, espera
aí… Que obra cê tá falando, Muleque?!
–
Ora, a
obra do seu pai.
–
O que cê
sabe sobre o meu pai, hein???
–
Ué, o que
todo mundo sabe…
–
Todo
mundo?! Que todo mundo? E que merda esse povo sabe da minha vida que
nem eu sei?!
–
Cara, o
que falam por aí é que você é filho do Diabo.
–
O quê???
–
É, ué…
Todo mundo fala isso. Ninguém nunca te falou isso?
–
Muleque,
cê tá de sacanagem pro meu lado, tá?
–
Peraí,
Roque Esculacho! Deixa eu te explicar. O pessoal fala que cê é
filho do Diabo porque ninguém sabe de onde cê veio, quem são seus
pais…
–
Porra,
Muleque Remelento! Isso eu não sei mesmo, mas nem por isso vim do
além, né? Você não pode acreditar nessa conversa de tia bitolada
que vive na igreja se lamentando da vida que não vive pra ficar
falando da vida dos outros!
–
Cê acha
que eu acredito?! Tô ligado que cê é gente como nóis… Quer
dizer, mais ou menos como nóis…
–
Como é
que é??? Mais ou menos, por quê?
–
Ah, cara,
cê é esquisitão. Usa essas camiseta cavernosa de rock, parece
coisa do Diabo mesmo.
–
Ih,
Muleque… Cê não sabe que caveira é a coisa mais universal que
existe, não? Todo mundo é uma caveira no final das contas.
–
Que
loucura, Roque Esculacho! Nunca tinha pensado nisso! Pensei que era
coisa de satanista, esse lance de caveira…
–
Xiii! Cê
tá deixando essa cidade de merda zoar tua cabeça, hein! Quando
passar lá perto de casa, me chama que te dou uma camiseta maneira.
–
Sério?!
Pô, cara, demais!!! Era tudo o que eu queria. Valeu, Roque
Esculacho, você é bem mais legal do que as pessoas falam. Nem é
mais filho do Diabo...
–
Rá!Rá!Rá!
Filho, não! Mas quem sabe eu não seja irmão do Diabo, Muleque
Remelento? Quem sabe... Rá!Rá!Rá!
Ciência
e probabilidade
Roque
Esculacho passava tranquilamente perto de uma das muitas igrejas da
cidade.
Escutava
um disco do Slayer - Diabolus In Musica - e eis que vê o pastor sair
correndo da casa ao lado, gritando no meio da rua. Como um louco
desvairado.
-
Meu Senhor, o que foi que eu fiz? Essa mulher me tentou, me fez cair
em pecado!!! Por quê, Senhor? Por quê, eu?!
-
Ora, ora, Mixaria! Quanto tempo, cara! Quer dizer que se
regalou com a fiel e agora quer dar uma de coitadinho. Ora, vá se
fuder, seu canalha!
-
Eu não fiz nada! Ela... ela veio aqui em casa. Tramou essa história
toda pra se vingar de mim. Só porque eu escolhi outra pra fazer a
leitura dos evangelhos no culto.
-
Sei... Mas a outra leitura você fez com ela, né? Leu e releu a
história inteirinha, com todos os detalhes. Até fizeram uns ajustes
no texto, não foi, seu safado?
-
O que eu faço, Roque Esculacho? Não sei como ela conseguiu, mas
levou um fio do meu cabelo e comprovou que o filho é meu. Olha, tá
aqui o teste de paternidade.
-
Ah, então teve festinha, mesmo! Vai ser papai, Mixaria. Parabéns,
cara! Trabalhando um pouquinho você é capaz de criar essa criança
numa boa. Você é putanheiro, faz tempo, mermão! Tá querendo
enganar quem, hein?!
-
Roque Esculacho, tô
fudido! Vou perder minha vida no bem bom... Por quê?
Por que a camisinha tinha
que estourar logo comigo?! Filha
da puta de uma
ciência que não ajuda quando a gente mais precisa!
-
Ah, larga a mão, Mixaria!
Vai dizer que cê não sabia que, além do tesão, o estouro da
camisinha também é uma probabilidade?!
Compromisso
etílico
Após
ser encontrado caído na frente da casa da Tina Mukirana, foi
levado ao hospital e ali - enquanto a equipe médica fazia piadas
sobre a malfadada sorte de nosso saudoso personagem - foi constatada
a sua morte.
-
Esse cara era um sem vergonha, safado. Vivia esperando na entrada do
hospital pra ficar nos xavecando… - dizia uma das enfermeiras.
-
Verdade, um canalha! O maior punheteiro da cidade. Nunca vi esse
cabeludo escroto com nenhuma mulher. - complementava a recepcionista,
enquanto ligava para a funerária.
-
Já foi tarde, então. Menos um peso morto para a sociedade. -
concluiu o médico, registrando causa da morte desconhecida no
atestado de óbito.
Com
a presença de seus dois
fiéis amigos
(Junkão
e Fabião
Mulambão) muito comovidos com a
perda do parceiro de esbórnia, mais o Seu
Tanaka – o dono do bar onde as
farras sempre começavam – que esperava receber
a conta de anos e anos de bebedeira e o
fim da porralouquice desvairada em
seu estabelecimento.
-
Que merda, Roque Esculacho! Tinha que morrer logo hoje que a gente ia
fazer uma festa na sua casa! - esbravejou Fabião Mulambão.
-
Filha da puta até no final, esse desgraçado! Disse que hoje era
tudo por sua conta. - concordou Junkão.
-
E o meu dinheiro, hein? Quem é que vai pagar? Esse
infeliz me
enrolou desde que eu abri o meu bar! - berrou Seu
Tanaka. Vocês vão ter que pagar!
-
Ih, Seu Tanaka,
a gente tinha deixado nossa parte da conta com ele! E o pessoal da
funerária deve ter passado a mão na grana toda para pagar pelo
serviço. - respondeu Junkão.
-
Pois é, Seu
Tanaka. O Roque
Esculacho tava com todo o dinheiro para pagar.
Que tragédia, bem hoje que a gente ia
provar para você que o quanto somos honestos e sempre
honramos nossos compromissos. - reforçou
Fabião.
Enquanto
a conversa seguia
tranquila sobre
esses assuntos super oportunos para a
ocasião, os enlutados parceiros
de Roque Esculacho foram convidados a
retirar o caixão e levá-lo em sentido ao cemitério.
Ao
chegarem ao lugar onde Onório Caveirão abria a cova para o
descanso eterno de Roque Esculacho, as lágrimas corriam por todos os
rostos.
-
Qué isso, gente! Esse fila da puta não vale
essas lágrimas todas, não! Só mais um corpo podre para os vermes
se esbaldarem! Sorte deles que não têm moral; caso contrário, se
negariam a se envolver
com coisa tão desprezível.
- advertiu o
coveiro.
Nesse
momento, Fabião Mulambão solta do celular uma música do Judas
Priest - Breaking the law e eis que caixão começa a se mexer e
Roque Esculacho levanta, puto da vida.
-
Caralho, o que aconteceu?! Por
que
cês tão chorando, seus otários?
-
Porra, Roque Esculacho! Cê quase mata a gente de susto! Cê não
tinha morrido, não?! O dr.
Plínio Picareta preencheu até o teu
atestado de óbito! - gaguejou Junkão.
-
Morrido?! Cês tão delirando?! Só
tava descansando um pouco depois te ter cumprido meu compromisso
etílico do dia! Médico de bosta esse aí,
hein!
-
Que loucura, Roque Esculacho! Você é o
desgraçado mais sortudo que existe. Vamos
comemorar tomando umas no Seu
Tanaka!!!
-
Só bebem se acertarem a conta de mais de anos, seus desgraçados!
-
Pô, Seu
Tanaka, deixa de ser tão interesseiro! Ainda mais numa hora dessa,
quando o nosso amigo volta à vida. Toda a nossa grana foi gasta com
o enterro dele. Cê não tem coração, não? - negociou
Mulambão.
-
Dinheiro?! Claro,
claro… Puxa, logo hoje
que a gente ia acertar toda a nossa conta, Seu
Tanaka! Não liga, não. Ano que vem a gente acerta tudo. Vamu lá,
abre aquele buteco que hoje é mais um dia e a
gente tem muitos
compromissos pra cumprir! - arrematou Roque Esculacho.
Fama
intergaláctica
Certa
vez Roque Esculacho caiu de gaiato em uma festa e, depois de tomar
algumas cervejas mornas e quase enlouquecer ouvindo uma série de
músicas que ele detestava, sentiu que estava na hora de dar o fora.
Pois ali – contrariando a normalidade – ele é que estava sendo
azucrinado.
Seguindo
em direção à porta da sala, sentiu que precisava usar o banheiro.
Viu o tamanho da fila, mudou de opinião imediatamente e optou por um
plano B: aliviar-se no fundo do quintal.
E
foi lá que aconteceu o que ele chamou depois de “checagem da
obviedade”. Sem que pudesse demonstrar qualquer reação, lá
estava ele dentro de um ambiente estranho, nas garras de seres mais
estranhos ainda.
-
Ei, que porra é essa?! Por quê? Como vim parar aqui nesse
laboratório?! A gente… A gente tá voando?!
-
Relaxa, Roque Esculacho! Nós só queremos fazer uns testes em você.
He...he...he…
-
Testes?! Que merda de teste o caralho! Me solta que eu tô a fim de
mijar.
-
Sossega, cara! A gente tem que ver o que se passa com esse seu
cérebro de minhoca para fazer tantas merdas durante tanto tempo
seguido.
-
Quem… quem são vocês?
-
Somos seres de outra dimensão, se isso te deixa mais tranquilo.
-
Que mané seres de outra dimensão! Cês tão falando a minha língua,
seus filhos da puta!
-
A gente vem estudando você há um bom tempo. Todo o seu cérebro vem
sendo mapeado e a sua língua já está decodificada, o que foi muito
fácil diante do seu limitado e esdrúxulo vocabulário.
-
Correto, Annald! Nunca vimos nada tão escroto em nossa longa
existência.
-
Sei… Cês tão é com inveja do papai aqui!
-
Inveja?! Cê tá louco, cara! Sua mente não tem nada de útil, por
isso resolvemos INTERVIR.
-
Peraí, intervir como?
-
Calma, só vamos ver se conseguimos substituir umas pecinhas, alterar
algumas conexões entre os seus escassos neurônios, retirar um bom
tanto desse lixo que você carrega aí dentro e ver como você se
comporta daqui pra frente.
-
Seus desgraça…
Após
ouvir as explicações, nosso personagem caiu no sono induzido pela
ação de alguma droga que corria em suas veias desde o momento em
que foi capturado.
-
É, Ofred… parece que esse cara não tem jeito. Nada do que
a gente tentou dá resultado.
-
Pois é, Annald… A mente desse imbecil está mais fechada que uma
ostra dentro de sua concha. Já esgotamos nossas possibilidades.
-
Vamos devolver esse mané ao seu habitat que a gente ganha mais. Puta
perda de tempo!
-
Maldita hora que resolvemos melhorar o que não dá para ser
melhorado! Se tivéssemos ficado jogando paciência, teríamos feito
mais progresso em nossas pesquisas.
-
Exato! Vamos deixar esse idiota e cair fora. Com essa experiência
fica claro que esse indivíduo desacredita qualquer tipo de pesquisa
científica. É melhor nem registrar essa experiência em nossos
arquivos; caso contrário, perderemos nossa credibilidade.
-
Concordo em gênero, número e grau, meu caro Ofred!
E
assim Roque Esculacho foi deixado semi acordado no quintal da casa
onde rolava a festa que ele procurava escapar.
-
Onde cê tava, Roque Esculacho?! - perguntou Ratão.
-
Ih cara, nem te conto porque cê não vai acreditar.
-
Fala aí, não vai me dizer que cê foi abduzido!
-
Isso, foi isso o que aconteceu! Puta experiência louca, cara!
-
Puta merda, véio! Cê encheu a cara, hein! Caiu aí e agora vem com
esse papinho furado pra cima de mim!
-
Pô, Ratão, os caras tavam impressionados com a minha inteligência
e me pegaram como referência…
-
Referência? Você?! Ah, cara, só se for de cagadas e merdas que a
humanidade deve evitar para não entrar em extinção antes do tempo.
-
Porra, Ratão! Não avacalha, não. Assim cê desacredita do poder da
minha mente, pô!
-
Poder?!
-
É, cara. Logo logo cê vai ver que a minha fama já atingiu o nível
intergaláctico. Posso ser o responsável pela salvação da nossa
espécie.
-
Cara, cê só encheu a lata ou tomou mais alguma coisa?
-
Puta que o pariu, Ratão! Sei que a verdade dói, sempre é negada no
primeiro momento, mas depois as pessoas acostumam. O pai aqui agora é
uma referência!
-
Tô ligado! E não é de
hoje, Roque Esculacho! RÁ-RÁ-RÁ…
Roque
enjaulado
-
Mão na parede, seu delinquente!
-
Perdeu, perdeu! Agora cê se fudeu, ladrãozinho de merda!
-
Ei, peraí! Eu… eu não sou quem cês tão pensando!!!
-
Vamo logo! Encosta aí na parede e vai abrindo as perna!
-
É isso aí! E é melhor ir passando as coisa que cê roubô do
mercado do Seu Chico Teta!
-
Não roubei nada, soldado! Cabei de sair do Sebo Napalm ali na
esquina. Tá aqui os discos que acabei de comprar, pô!
-
Soldado?! É senhor, tá entendendo! SENHOR!!! (Tapas na cara e
bicudas nas pernas de nosso herói).
-
Deixa eu ver essas merdas aí, passa pra cá!
-
SENHOR, eu não roubei nada. Cês tão me confundindo… Tó, mas
cuidado porque aí só tem raridade! Só sonzeira de primeira
qualidade!
-
Raridade, é? Hum… Esses discos de cabeludo drogado é tudo coisa
de vagabundo. (Cola brincos e chute no saco pra demonstrar o poder
que compete às autoridades).
-
Porra, não joga os discos assim! Eu não fiz nada, já falei! Acabei
de sair do sebo. Tava indo trampar de roadie com a banda No
Inferno Todos Tão.
-
Que mané roadie, o caralho! Isso lá é nome de banda? Tá tirando a
gente de lóki, é?
-
Vamo levá esse bichinha cabeludo pra delegacia, Osvaldão. Lá
eu tenho certeza que ele fala onde escondeu os produto. Certeza que
fala! Rá-rá-rá...
-
Peraí, de-le-ga-cia?! Por quê??? Eu não fiz NADA! Cês são novos
na cidade, né? Pode perguntar pra qualquer um aí, eu não sou
ladrão!
E
assim Roque Esculacho foi esculachado mais uma vez.
No
caminho até a delegacia, depois ouvir os policiais combinarem a
venda dos seus discos através da internet, foi informado dos vários
métodos usados nos interrogatórios daquela instituição super
respeitada.
-
Vai descendo aí que a sala de interrogatórios já tá preparada pra
te receber! - disse Zezão da Quebrada.
-
Com toda a hospitalidade que você merece. - complementou Osvaldão.
-
Eu não fiz nada! Cadê o delegado? Ele me conhece, cara!!!
-
Conhece, é? Então, vamo vê. Só que ele não tá aqui agora. Daqui
umas 3 hora ele chega.
Depois
de muitas horas enjaulado, eis que surge o delegado de plantão.
-
Boa dia, senhores! O que temos pra hoje?
-
Dia, seu Roberto Coronhada, achamos o meliante que roubou o
mercado do seu Chico Teta ontem à noite. Só tá faltando ele
confessar…
-
Mas isso é moleza, né, chefe! Deixa com a gente!
-
Xiii… Mas esse é o Roque Esculacho! É o malucão da cidade, mas é
inofensivo. Figura carimbada, tem a cara e o jeitão de bandido, mas
não é, não.
-
Porra, eu falei pro cêis! Agora perdi o busão da banda e meu trampo
como roadie. Quem vai pagar minhas contas? E cadê meus discos, hein?
Eu nem paguei o cara ainda!
-
Que porra de discos! Cê não tinha nada! Tava limpo, não tava
Zezão?
-
É verdade, Osvaldão! Ele não tinha nada!
-
Vamo, tá na hora cair fora, roqueiro filho da puta! He...he...he…
-
Devia tá feliz de se
livrar dessa e fica aí falando merda, manézão do caralho! Vai,
circulando, circulando…
A
distorção necessária
Após
deixar a prisão, Roque Esculacho
caminha apressado em direção à sede da banda No Inferno Todos
Tão.
Assim
que Zangão avista a figura ímpar de nosso personagem vindo
pela calçada, desce da van e vai logo intimando:
-
Porra, Roque Esculacho! Onde cê tava, cara? Te arrumo o trampo e
você não aparece! Tive que carregar e montar tudo sozinho ontem.
-
Foi mal, Zangão! Mas saí da delegacia agora.
-
Delegacia?! Que merda cê aprontou, hein?
-
Uns policiais novos na cidade me confundiram com o ladrão do mercado
do Seu Chico Teta e fiquei lá a noite toda!
-
Sei… Encheu a cara e agora vem com essa conversinha fiada pra cima
de mim, é?
-
Verdade, cara! A cidade inteira tá falando. Logo cê vai saber o que
rolou...
-
Bom, vou falar pros cara que cê deu as caras... Se eles concordarem,
hoje à noite tem show de novo.
-
Valeu, Zangão!!! Te devo essa, hein!
-
Pronto. Limpei a sua cara, Roque Esculacho. Agora, vai pra casa,
arruma suas coisa e vem pra cá o mais rápido que conseguir, porque
temos que dar um trato nas tralhas e instrumentos da banda.
-
Beleza!
-
Ah, e vê se toma um banho decente, pois cê tá fedendo, mermão! Tá
parecendo um cambá, caraleo!
-
Pô, Zangão, não avacalha, não! Cê acha que cadeia é hotel 5
estrelas, é? Mó chiqueiro aquele lugar!
-
Tá, tá… Agora vai logo que a gente tem que tá com tudo em cima
até o começo da tarde pra cair na estrada.
-
Podeixá! Já já tô de volta.
Munido
de sua mochila, Roque Esculacho retorna à sede da banda e percebe os
olhares inquisidores e já nem se espanta com as pessoas apontando
pra ele durante o trajeto.
-
Manhê, ó o cara que tava roubando o mercado ontem!
-
É verdade, meu filho! Mas não aponta não, que é feio!
-
Já tá solto, seu cretino?! Devia mofar na cadeia, seu ladrãozinho
de merda!
-
Cês tão me achando bonito é por isso que tão me admirando, é?
Cambada de fofoqueiros, lazarentos! Cês nem sabem o que rolou… Vão
se fuder antes que eu me esqueça! - pensa nosso personagem
injustiçado.
-
Entra logo, filho! Esse cara é perigoso! Olha só o tipinho dele!
Depois
de ajeitarem a van com os equipamentos necessários, a banda e os 2
roadies partem rumo à cidade de Quaresma Furada, onde
acontecerá o show.
-
Pô, Roque Esculacho! Que quebrada essa estrada, hein? - indaga
Zangão no volante.
-
Bota quebrada nisso, Zangão! Essa cidade não tá com cara de ser
agitada, não!
-
Será?! Os caras que marcaram o show falaram que é a cidade do rock,
véio! E que os ingresso estão vendendo super bem de tanto que
gostam da banda!
-
Sei não, hein! Isso tem cheiro de roubada…
-
Bom, foda-se! A gente tá fazendo o nosso trampo e a banda já
recebeu o cachê. O show vai rolar!
-
Isso aí, rock ‘n’ roll! - confirmam os músicos.
Depois
de rodarem quase a tarde toda, chegam à Quaresma Furada no início
da noite e vão logo para local onde acontecerá o tão esperado
show.
Nesse
meio tempo, percebem que as pessoas não param de apontar e fazerem o
sinal da cruz para a van que leva o nome da banda estampado na portas
laterias.
-
Cês viram aquela tiazinha acenando pra gente?
-
Achei que ela tava benzendo a gente, cara!
-
Essa noite vai ficar pra a História!
-
Só!
-
Chegamos!
Zangão
e Roque Esculacho descarregaram e montaram as aparelhagens e os
instrumentos da banda no palco. Na sequência, os músicos passaram o
som e foram todos em busca de uma janta para aguentarem o baque da
noite.
Um
pouco antes do show, os roadies reparam que os amplificadores e os
pedais das guitarras haviam desaparecido do palco.
-
Caraleo, cadê as aparelhagens, Zangão?!
-
Como isso pôde acontecer? A gente só foi bater um rango e já
sumiram com os cubos e os efeitos!
-
Falei pro cê que essa história tá estranha!
-
Vamo ver com o técnico de som da casa. Se pá foi ele que mexeu nas
parada…
Assim
que encontraram o cara, ficaram sabendo que os cubos foram retirados,
pois na cidade havia uma lei que não permitia o uso de distorção
nas guitarras.
-
Como é que é? - estranhou Roque Esculacho.
-
Contrataram a banda No Inferno Todos Tão pra tocar aqui e não
permitem usar distorção?! - insistiu Zangão.
-
É isso mesmo, a mulher do prefeito – junto com algumas outras
senhoras do bem – conseguiram aprovar essa lei essa semana! -
explicou o técnico de som.
-
Porra, mas que furada, hein! Falei pro cê que essa parada tava com
cheiro de armada, Zangão!
-
Bom, sendo assim, acho que não vai rolar show nenhum!
-
Como não vai rolar?! A banda já recebeu o cachê, cês já jantaram
nas nossas custas… É só usar os cubos que meus parceiros tão
montando no palco, pô!
-
Cê tá louco, cara? Aqueles multi uso não dão conta do som, não!
Nós trouxemos os ampli e as distorções dos caras, o som já tinha
até sido passado. Agora era só chegar e tocar!
-
Negativo, meu camarada! Distorção aqui NÃO rola. É que eu não
tava aqui a hora que cês passaram o som. Se insistir a Dona
Fátima Beata traz a polícia e prende todos vocês!
-
Fátima Beata?! Festa?! - questionou Zangão.
-
É, me diz aí, que show de rock é esse que não tem guitarra
distorcida? Cês não viram o nome da banda, não? - desafiou Roque
Esculacho.
-
Ué, essa banda não é gospel?!
-
Gospel?! - exclamam os roadies, indignados.
-
É… falaram pra mim que era uma banda gospel que só usa violão e
que já tocou em vários encontros de jovens pelo Brasil todo.
-
Bendito Black Sabbath!!!
-
Me diz uma coisa: sem distorção, como é que o público daqui vai
enlouquecer, bater as cabeças?
-
Enlouquecer?! O povo daqui não faz isso não, meu camarada! Eles vêm
pra se divertir, não pra curtir essas músicas de doidão! Os jovens
daqui são jovens do bem, não cultuam o Diabo, não!
-
Fudeu, Zangão! O jeito é avisar os caras e cair fora dessa merda.
Imagina só curtir um som, viver a vida desse jeito, sem a distorção
necessária. Não tem Cristo que aguente! - declarou Roque Esculacho.
-
É, té nunca mais, Quaresma Furada! - completou Zangão.
-
Seus… seus picaretas!
Cês vão ter que devolver a grana, cambada de roqueiros babacas!